Carioca é a 1ª brasileira a ser extraditada para julgamento
Claudia foi levada de volta ao país ao qual ela se naturalizou e de onde, há dez anos, teria fugido logo após assassinar o marido
Publicado: 18/01/2018, 10:23
Claudia foi levada de volta ao
país ao qual ela se naturalizou e de onde, há dez anos, teria fugido logo após
assassinar o marido
Quando um avião fretado pelos
Estados Unidos e repleto de agentes da Interpol tocou o solo americano, por
volta das 23h desta quarta (17), Claudia Cristina Sobral Hoerig, de 53 anos, se
tornou a primeira brasileira da história a ser extraditada para ser julgada no
exterior.
A aeronave, que partiu do Brasil
sob forte esquema de segurança e sigilo, levava Claudia de volta ao país ao
qual ela se naturalizou e de onde, há dez anos, teria fugido logo após
assassinar o marido, Karl Hoerig, ex-piloto da Força Aérea Americana.
A volta de Claudia é também um
marco para a história das relações internacionais brasileiras e abre a
possibilidade de que mais brasileiros que tenham obtido cidadania de outras
nações possam enfrentar processos semelhantes ao dela.
O caso judicial de Cláudia se
arrastou por mais de dez anos antes que ela entrasse no voo da Interpol.
A brasileira nasceu Cláudia
Cristina Sobral, no Rio de Janeiro, mas se mudou para os Estados Unidos ainda
nos anos 1990. Casou-se com o médico nova-iorquino Thomas Bolte e, graças à
união, conseguiu o Green Card - a licença permanente para viver e trabalhar no
país.
Nos Estados Unidos, se tornou
contadora. Em 1999, já divorciada de Bolte, resolveu concluir o processo de
naturalização como cidadã americana. A mudança facilitaria a atuação
profissional de Claudia, que teria aumentado seus rendimentos em cinco vezes
depois da alteração de nacionalidade, de acordo com o que disseram os advogados
dela no processo brasileiro.
O que talvez Claudia ignorasse no
momento em que tomou essa decisão é que, ao assumir a cidadania americana, ela
estaria necessariamente abrindo mão da brasileira.
Casamento e morte
Karl Hoerig e Claudia teriam se
conhecido pela internet. Ele era um veterano das guerras do Afeganistão e do
Iraque e, depois de voltar aos Estados Unidos, trabalhava como piloto
comercial. Em 2005, eles se casaram, ela adotou o sobrenome dele e o casal foi
morar em Newton Falls, um vilarejo de cerca de 5 mil habitantes em Ohio, onde
Hoerig nasceu. O casamento, no entanto, não durou nem dois anos.
O corpo de Hoerig foi encontrado
em 15 de março de 2007, na casa dos dois, com perfurações de balas nas costas e
na cabeça. Apenas três dias antes, no suposto dia da morte do piloto, um
vizinho do casal teria visto Claudia sair de casa com pressa.
Naquele dia, ela voou para o
Brasil, deixando para trás boa parte dos pertences pessoais. As investigações
da polícia de Ohio concluíram que Hoerig havia sido alvejado por disparos de um
revólver Smith & Wesson, calibre 357 - semelhante a um modelo que Claudia
havia comprado apenas cinco dias antes da descoberta do homicídio.
Testemunhas disseram tê-la visto
praticando tiro com a arma em um alvo próximo à casa. Para a polícia americana,
ela se converteu na suspeita número um. Um pedido de prisão foi expedido.
A Interpol a incluiu na lista de
procurados e o Estado americano entrou com um processo no Brasil para que ela
fosse devolvida a território americano para ser julgada.
O processo
O caso causou comoção nos Estados
Unidos, onde Hoerig é frequentemente retratado como herói nacional. No
Facebook, um ex-colega de Forças Armadas do piloto criou uma página -
intitulada Justice For Karl Hoerig - para divulgar notícias do caso e
pressionar políticos americanos pelo retorno de Claudia.
Em documentário sobre o caso
veiculado pela TV Americana CBS em novembro passado, a família do ex-piloto faz
acusações contra ela.
"Eu descobri (que Karl havia
morrido) quando o meu irmão mais velho me ligou e me contou. Ele simplesmente
disse: 'Karl está morto'. Assim que ele disse "Karl está morto", eu
já sabia quem tinha feito isto. Imediatamente, eu sabia que tinha sido
ela", disse o irmão dele, Paul Hoerig, ao programa "48 hours",
da rede CBS.
No mesmo programa, a família
afirma que o casamento de Claudia e Karl Hoerig era tumultuado, marcado por
brigas e discussões.
Até esta quarta, ela não havia
mais pisado nos Estados Unidos. Constituiu advogados brasileiros que levaram o
caso até o Supremo Tribunal Federal (STF), onde o assunto foi julgado em março
de 2017.
Ao longo do processo, Claudia foi
destituída da nacionalidade brasileira. Em julho de 2013, o Ministério da
Justiça oficializou a anulação.
No Supremo, os ministros da
Primeira Turma levaram em conta que, quando Claudia optou pela nacionalidade
americana em 1999, sua nacionalidade brasileira estava definitivamente anulada.
Isso porque a Constituição
brasileira prevê, em seu 12º artigo, a perda da nacionalidade brasileira quando
outra é adquirida, com algumas exceções - nenhuma delas, para a corte,
aplicável ao caso de Claudia.
"A Constituição é muito
clara sobre a perda da nacionalidade brasileira. Mas o Brasil não costuma ir
atrás das pessoas para retirá-la e alguns consulados brasileiros pelo mundo já
chegaram a orientar que não haveria perda dela. Criou-se um clima de não crença
na Constituição e isso foi corroborado por práticas administrativas",
afirma Ana Flávia Velloso, professora de Direito Internacional no Centro
Universitário de Brasília (Uniceub-DF).
Ela conclui: "A decisão do
STF sobre o caso Claudia Hoerig indica o que a Constituição dizia e ninguém
acreditava. Se a prática administrativa vai mudar em razão disso, só o tempo
vai dizer", diz a especialista.
O resultado não foi unânime. O
Ministro Marco Aurélio Mello protestou contra o entendimento dos colegas:
"Uma primeira vez tem que
ser a primeira vez, até pela própria nomenclatura. Vejo que este colegiado
(...) está para inaugurar a entrega de uma brasileira nata, ante extradição, a
um governo irmão."
Foi voto vencido.
Apelações
Claudia tentou reaver a
nacionalidade brasileira. Em entrevista ao portal de notícias G1, um dos
advogados da contadora, Antônio Andrade Lopes, afirmou que, nos dez anos em que
morou no Brasil, ela viveu na região serrana do Rio e voltou a se casar, desta vez
com um brasileiro.
Apenas dois dias antes de
embarcar no avião da Interpol, Claudia teve negado um mandado de segurança no
Superior Tribunal de Justiça (STJ) em que pedia novamente para voltar a ser
oficialmente brasileira. A manobra impediria a extradição.
Penas
O Estado de Ohio possui previsão
de pena capital e prisão perpétua, mas nenhuma das duas penas poderá ser
aplicada à Cláudia caso ela seja condenada em um julgamento, cuja data ainda
não está definida.
Em sua decisão, o Supremo
concordou com a extradição de Claudia desde que lhe fosse aplicada, na pior das
hipóteses, a pena máxima de 30 anos de prisão.
Consultado, o Ministério da
Justiça afirmou em nota à BBC Brasil que "a efetivação da extradição só
ocorreu após os EUA terem formalmente apresentado ao Brasil o compromisso de a
extraditada não ser condenada à pena de morte ou de prisão perpétua".
De acordo com o órgão,
"havendo uma condenação à pena superior ou que não seja aplicada pelo
Estado brasileiro, o governo norte-americano compromete-se a substitui-la pela
pena máxima aplicada no Brasil, que é a de 30 anos de prisão".
O Brasil não deve prestar
assistência jurídica à Cláudia ou à sua família brasileira - que não foi
localizada pela BBC Brasil. O país já não tem mais competência sobre o assunto.
Mas, mesmo admitindo que Cláudia
não é mais brasileira e que os Estados Unidos são os legítimos julgadores do
caso, o Brasil ainda pode fazer exigências sobre o tipo de pena que pode ser
aplicada à ela, segundo Florisbal de Souza Del'Olmo, professor de direito da
Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI):
"Pelo simples fato do réu
estar aqui no Brasil, e sendo o país aquele que vai extraditar, ele pode impor
suas condições. Para os parâmetros internacionais, o não cumprimento destas
condições pelo país de destino seria uma grave infração."
Consultado, o Ministério da
Justiça afirmou em nota que "irá acompanhar o desenrolar do processo, a
fim de verificar se os compromissos assumidos pelos Estados Unidos estão sendo
cumpridos".
Claudia está agora em uma cela em
uma prisão do condado de Trumbull.
Informações MSN Notícias